terça-feira, 28 de julho de 2009

O Agreste nosso de cada dia

Uma peça de teatro estar em cartaz há mais de cinco anos, desconsiderando espetáculos comerciais como Caixa Dois, Trair e Coçar é só Começar, entre outros do gênero, é um tanto fora do comum e gera curiosidade. É o caso de "Agreste", da Cia Razões Inversas.
Reverenciada pelo público e pela crítica, ela acabou me chamando atenção quando reiterada por um amigo falando de sua notoriedade, poética e espírito crítico. Resolvemos nos arriscar e conferir para ver o porque de tanto alarde com o "Agreste", e a razão de seu sucesso.

Fomos ao Espaço Parlapatões, situado no pólo alternativo do teatro em São Paulo, a Pça Roosevelt. Com medo de não conseguirmos ingressos, chegamos com uma hora de antecedência. Surpreendemo-nos, não existia fila alguma. Afinal, pensando bem, era o último dia da peça no Parlapatões, todo mundo que era para ter ido, provavelmente, já o tinha feito. Até que entre trinta ou quarenta minutos depois de termos saído, e retornado de um bar, a fila de entrada já se encontrava na calçada. Realmente era algo diferente para um pequeno teatro com capacidade para 100 pessoas. O que afinal existia nesse “Agreste”? A dúvida, agora, estava mais do que nunca posta.

O primeiro ato se inicia e perdura por cerca de 20 minutos com uma declamação que remete a poesia de cordel. Conta a trajetória de dois amantes que fogem para o sertão a fim de concretizar o seu amor. Era de uma lírica própria. Os dois atores, e únicos, se interpunham nas falas em perfeita harmonia. Declamavam ritmados angustiando a todos. Reiteravam as falas em construções diferentes a cada minuto. O texto se repetia, mas não parecia ser o mesmo. Era incompreensível como trazia sinestesia a repetição. E estavam amparados simplesmente por dois microfones e uma iluminação que trabalhava com categoria o chiaroscuro. Oralidade, luz e emoção. Nesse momento todos da platéia já faziam parte daquele Agreste.

O encaminhamento para o segundo ato surpreende quando os microfones dão espaço para bambus que passam a sustentar varais e um lençol branco em que são projetadas algumas cenas do sertão nordestino.
Os atores passam, então, a encarnar as duas personagens protagonistas e suas adjacentes. Contudo, não havia uma definição específica do tipo: ator 1/personagem 1, ator 2/personagem 2. Eles se revezavam a cada fala, ou assumiam o narrador, ou personagens secundárias que entravam e saíam para sustentar a trama.

O clímax da história se dá quando é descoberto que esse casal, na verdade, nada mais era do que duas mulheres. Então o argumento da peça seria a fuga de duas mulheres que fogem para viver um amor proibido? A resposta seria sim se as duas mulheres comungassem desde o início do poder de discernir o que é um homem e o que é uma mulher. O que só vem a ocorrer quando uma delas morre.
“Mas eu nunca olhei para Etevaldo quando ele me machucava a noite, nunca vi ele sem roupa, eu sempre fechava os olhos”.

Os moradores do vilarejo em que as duas protagonistas foram morar, que até então velavam calmamente o corpo de “Etevaldo”, após a descoberta do fato passam então a condenar a sobrevivente por toda aquela “imoralidade” posta sob seus olhos.
Em um lugar de Deus, terras de famílias respeitosas, de um nobre coronel aquilo jamais seria permitido.
Esse é o ápice da dramaturgia. Nesse momento é colocado a tona questões sobre ignorância, preconceito, religiosidade, misticismo, moral, coronelismo, etc. Tudo no aparentemente isolado agreste nordestino - que fica caracterizado pelas falas com sotaque específico da região. Tão isolado quanto o sertão universal de Guimarães Rosa.

Muitos valores são colocados em xeque.
Muitas indagações e provocações são postas a mesa.
Todos que estão de fora são conduzidos a se posicionar naquele ambiente torpe que é criado.
Era impossível ver aquelas duas serem queimadas, uma viva e outra não, e não fazer nada.
Mas ver as pessoas serem queimadas publicamente por uma sociedade não é nenhuma novidade na história da humanidade?
Sim...

... mas e a nós?

E quantas vezes não somos aceitos?
E quantas vezes temos de nos disfarçar, vestir máscaras sociais, enganar pessoas que gostam de de nós. Ou quantas vezes no trato com a moral, que muitas vezes condenamos, apoderamo-nos de uma capa preta e nos autopromovemos o poder de bater o martelo por simplesmente não conseguir aceitar o diferente.

Provavelmente por isso “Agreste” continua em cartaz.
Você se enxerga, de uma forma ou de outra, sendo queimado publicamente naquele ambiente do semi-árido metropolitano da capital paulista – ou, quem sabe, queimando (fazendo-o).




AGRESTE
Direção: Marcio Aurelio
Com: Joca Andreazza e Paulo Marcello
Duração: 70 minutos
Classificação: 14 anos
Texto: Newton Moreno


Serviço:
Teatro Jardim São Paulo
Av. Leôncio de Magalhães, 382 - Jardim São Paulo
Tel: (11) 2959-2952.
Ingresso: R$ 25 (dom.) e R$ 30 (sáb.).
Quando:
Dia 01/08: 21h.
Dia 02/08: 19h.
Dia 26/09: 21h.
Dia 27/09: 19h.

domingo, 26 de julho de 2009

O início em minha nova morada

Por muitas vezes fiquei reticente em iniciar um blog, principalmente por ver na faculdade de jornalismo a "moda" de que um estudante de jornalismo deve ter necessariamente um blog. Achava essa situação muito forçada. Considerava, nessas circunstâncias, o blog uma ferramenta própria para a verborragia de pseudo-cults e afins - e ainda acredito que muitas vezes o seja. Esteriotipei a ferramenta e decidi não fazer uso (por mais que em outrora eu já tivesse um blog).

Dois anos e meio de curso se passaram e, por fim, adentrei ao mundo dos blogs - ou como os "teóricos da comunicação" dizem, a "Blogosfera"*(ha ha).
Poderia, nesse post inicial, discorrer sobre os motivos e as necessidades que me fizeram criar essa página. Muitos deles poderiam estar ligados a minha frustração quanto a formatação de meus textos desde que iniciei o curso de jornalismo, quanto a saudade de poder escrever em algum lugar com liberdade total - daí o nome, "Morada do Livre" -, ou ainda, por nos últimos meses ter me dislumbrado com a criatividade e genealidade de alguns blogs e a vontade estar mais próximo dessa realidade. Motivações foram muitas.

Não ficarei aqui divagando unicamente sobre minha vida. Deixarei esse egocentrismo para outras páginas, definitivamente esse não é meu intuito aqui. Quero relatar as minhas impressões sobre as mais diversas situações. Não vou me ater a uma temática, como muitos blogs prezam para o encotro de seu público (encontrar um público também não é o meu objetivo), mas quem me conhece sabe que inevitavelmente falarei de coisas que gosto: cinema, teatro, música, política, filosofia, artes, etc. Ainda assim reitero: não haverá um editorial.

Em todo caso, essa é a minha nova morada. A Morada do Livre. Dos meus textos livres, das minhas idéias livres. Ao menos aqui não haverá restrições.
Sintam-se a vontade e sejam bem vindos.

* Blogosfera e minhas risadas: mania de professores de comunicação social em querer conceituar tudo, sempre existe um grande tratado e teorização para qualquer ferramenta nova que aparece, a busca incansável pela ciência da comunicação. Uma grande piada...