Uma peça de teatro estar em cartaz há mais de cinco anos, desconsiderando espetáculos comerciais como Caixa Dois, Trair e Coçar é só Começar, entre outros do gênero, é um tanto fora do comum e gera curiosidade. É o caso de "Agreste", da Cia Razões Inversas.
Reverenciada pelo público e pela crítica, ela acabou me chamando atenção quando reiterada por um amigo falando de sua notoriedade, poética e espírito crítico. Resolvemos nos arriscar e conferir para ver o porque de tanto alarde com o "Agreste", e a razão de seu sucesso.
Fomos ao Espaço Parlapatões, situado no pólo alternativo do teatro em São Paulo, a Pça Roosevelt. Com medo de não conseguirmos ingressos, chegamos com uma hora de antecedência. Surpreendemo-nos, não existia fila alguma. Afinal, pensando bem, era o último dia da peça no Parlapatões, todo mundo que era para ter ido, provavelmente, já o tinha feito. Até que entre trinta ou quarenta minutos depois de termos saído, e retornado de um bar, a fila de entrada já se encontrava na calçada. Realmente era algo diferente para um pequeno teatro com capacidade para 100 pessoas. O que afinal existia nesse “Agreste”? A dúvida, agora, estava mais do que nunca posta.
O primeiro ato se inicia e perdura por cerca de 20 minutos com uma declamação que remete a poesia de cordel. Conta a trajetória de dois amantes que fogem para o sertão a fim de concretizar o seu amor. Era de uma lírica própria. Os dois atores, e únicos, se interpunham nas falas em perfeita harmonia. Declamavam ritmados angustiando a todos. Reiteravam as falas em construções diferentes a cada minuto. O texto se repetia, mas não parecia ser o mesmo. Era incompreensível como trazia sinestesia a repetição. E estavam amparados simplesmente por dois microfones e uma iluminação que trabalhava com categoria o chiaroscuro. Oralidade, luz e emoção. Nesse momento todos da platéia já faziam parte daquele Agreste.
O encaminhamento para o segundo ato surpreende quando os microfones dão espaço para bambus que passam a sustentar varais e um lençol branco em que são projetadas algumas cenas do sertão nordestino.
Os atores passam, então, a encarnar as duas personagens protagonistas e suas adjacentes. Contudo, não havia uma definição específica do tipo: ator 1/personagem 1, ator 2/personagem 2. Eles se revezavam a cada fala, ou assumiam o narrador, ou personagens secundárias que entravam e saíam para sustentar a trama.
O clímax da história se dá quando é descoberto que esse casal, na verdade, nada mais era do que duas mulheres. Então o argumento da peça seria a fuga de duas mulheres que fogem para viver um amor proibido? A resposta seria sim se as duas mulheres comungassem desde o início do poder de discernir o que é um homem e o que é uma mulher. O que só vem a ocorrer quando uma delas morre.
Reverenciada pelo público e pela crítica, ela acabou me chamando atenção quando reiterada por um amigo falando de sua notoriedade, poética e espírito crítico. Resolvemos nos arriscar e conferir para ver o porque de tanto alarde com o "Agreste", e a razão de seu sucesso.
Fomos ao Espaço Parlapatões, situado no pólo alternativo do teatro em São Paulo, a Pça Roosevelt. Com medo de não conseguirmos ingressos, chegamos com uma hora de antecedência. Surpreendemo-nos, não existia fila alguma. Afinal, pensando bem, era o último dia da peça no Parlapatões, todo mundo que era para ter ido, provavelmente, já o tinha feito. Até que entre trinta ou quarenta minutos depois de termos saído, e retornado de um bar, a fila de entrada já se encontrava na calçada. Realmente era algo diferente para um pequeno teatro com capacidade para 100 pessoas. O que afinal existia nesse “Agreste”? A dúvida, agora, estava mais do que nunca posta.
O primeiro ato se inicia e perdura por cerca de 20 minutos com uma declamação que remete a poesia de cordel. Conta a trajetória de dois amantes que fogem para o sertão a fim de concretizar o seu amor. Era de uma lírica própria. Os dois atores, e únicos, se interpunham nas falas em perfeita harmonia. Declamavam ritmados angustiando a todos. Reiteravam as falas em construções diferentes a cada minuto. O texto se repetia, mas não parecia ser o mesmo. Era incompreensível como trazia sinestesia a repetição. E estavam amparados simplesmente por dois microfones e uma iluminação que trabalhava com categoria o chiaroscuro. Oralidade, luz e emoção. Nesse momento todos da platéia já faziam parte daquele Agreste.
O encaminhamento para o segundo ato surpreende quando os microfones dão espaço para bambus que passam a sustentar varais e um lençol branco em que são projetadas algumas cenas do sertão nordestino.
Os atores passam, então, a encarnar as duas personagens protagonistas e suas adjacentes. Contudo, não havia uma definição específica do tipo: ator 1/personagem 1, ator 2/personagem 2. Eles se revezavam a cada fala, ou assumiam o narrador, ou personagens secundárias que entravam e saíam para sustentar a trama.
O clímax da história se dá quando é descoberto que esse casal, na verdade, nada mais era do que duas mulheres. Então o argumento da peça seria a fuga de duas mulheres que fogem para viver um amor proibido? A resposta seria sim se as duas mulheres comungassem desde o início do poder de discernir o que é um homem e o que é uma mulher. O que só vem a ocorrer quando uma delas morre.
“Mas eu nunca olhei para Etevaldo quando ele me machucava a noite, nunca vi ele sem roupa, eu sempre fechava os olhos”.
Os moradores do vilarejo em que as duas protagonistas foram morar, que até então velavam calmamente o corpo de “Etevaldo”, após a descoberta do fato passam então a condenar a sobrevivente por toda aquela “imoralidade” posta sob seus olhos.
Os moradores do vilarejo em que as duas protagonistas foram morar, que até então velavam calmamente o corpo de “Etevaldo”, após a descoberta do fato passam então a condenar a sobrevivente por toda aquela “imoralidade” posta sob seus olhos.
Em um lugar de Deus, terras de famílias respeitosas, de um nobre coronel aquilo jamais seria permitido.
Esse é o ápice da dramaturgia. Nesse momento é colocado a tona questões sobre ignorância, preconceito, religiosidade, misticismo, moral, coronelismo, etc. Tudo no aparentemente isolado agreste nordestino - que fica caracterizado pelas falas com sotaque específico da região. Tão isolado quanto o sertão universal de Guimarães Rosa.
Muitos valores são colocados em xeque.
Muitas indagações e provocações são postas a mesa.
Todos que estão de fora são conduzidos a se posicionar naquele ambiente torpe que é criado.
Era impossível ver aquelas duas serem queimadas, uma viva e outra não, e não fazer nada.
Mas ver as pessoas serem queimadas publicamente por uma sociedade não é nenhuma novidade na história da humanidade?
Sim...
... mas e a nós?
E quantas vezes não somos aceitos?
E quantas vezes temos de nos disfarçar, vestir máscaras sociais, enganar pessoas que gostam de de nós. Ou quantas vezes no trato com a moral, que muitas vezes condenamos, apoderamo-nos de uma capa preta e nos autopromovemos o poder de bater o martelo por simplesmente não conseguir aceitar o diferente.
Provavelmente por isso “Agreste” continua em cartaz.
Você se enxerga, de uma forma ou de outra, sendo queimado publicamente naquele ambiente do semi-árido metropolitano da capital paulista – ou, quem sabe, queimando (fazendo-o).
Esse é o ápice da dramaturgia. Nesse momento é colocado a tona questões sobre ignorância, preconceito, religiosidade, misticismo, moral, coronelismo, etc. Tudo no aparentemente isolado agreste nordestino - que fica caracterizado pelas falas com sotaque específico da região. Tão isolado quanto o sertão universal de Guimarães Rosa.
Muitos valores são colocados em xeque.
Muitas indagações e provocações são postas a mesa.
Todos que estão de fora são conduzidos a se posicionar naquele ambiente torpe que é criado.
Era impossível ver aquelas duas serem queimadas, uma viva e outra não, e não fazer nada.
Mas ver as pessoas serem queimadas publicamente por uma sociedade não é nenhuma novidade na história da humanidade?
Sim...
... mas e a nós?
E quantas vezes não somos aceitos?
E quantas vezes temos de nos disfarçar, vestir máscaras sociais, enganar pessoas que gostam de de nós. Ou quantas vezes no trato com a moral, que muitas vezes condenamos, apoderamo-nos de uma capa preta e nos autopromovemos o poder de bater o martelo por simplesmente não conseguir aceitar o diferente.
Provavelmente por isso “Agreste” continua em cartaz.
Você se enxerga, de uma forma ou de outra, sendo queimado publicamente naquele ambiente do semi-árido metropolitano da capital paulista – ou, quem sabe, queimando (fazendo-o).
AGRESTE
Direção: Marcio Aurelio
Com: Joca Andreazza e Paulo Marcello
Duração: 70 minutos
Classificação: 14 anos
Texto: Newton Moreno
Serviço:
Teatro Jardim São Paulo
Av. Leôncio de Magalhães, 382 - Jardim São Paulo
Tel: (11) 2959-2952.
Ingresso: R$ 25 (dom.) e R$ 30 (sáb.).
Quando:
Dia 01/08: 21h.
Dia 02/08: 19h.
Dia 26/09: 21h.
Dia 27/09: 19h.